NA ESPLANADA ao fim da tarde!
É uma tarde de inverno, desagradável, com vento e chuva.
Virada para o mar num ligeiro declive, com mesas vermelhas e cadeiras plásticas da mesma cor por entre chapéus amarrados para não voarem ao sabor da ventania, vazia de gente, esta é a esplanada que ela escolheu para conversarmos.
Estranhei a ideia. Bem poderíamos conversar em casa, mas como dizer-lhe que não? Afinal as esplanadas também servem para conversarmos e fazê-lo ao ar livre não é pior nem melhor do que fazê-lo em casa; é somente diferente!
Decidi-me por uma mesa resguardada do vento e da chuva, rodeada de cadeiras de verga, confortáveis, frente a um copo por encher de uma cerveja por beber.
Esperei!
A demora dela será devida ao trânsito? Preocupado, decido ligar-lhe pelo telemóvel.
Antes de terminar a marcação dos números sinto-a chegar. Veio pelas minhas costas e, sentando-se à minha frente, deixou sair um suspiro meio de cansaço meio de alívio por ter chegado, por ter onde descansar.
Olhá-mo-nos numa mistura de sentimentos e perguntas: estás bem?, o que se passa?, estás cansada?, esperaste muito tempo?,
Nada que não fossem as habituais interrogações de quando nos encontrávamos depois de um dia de trabalho.
Olhei-a nos olhos, inquieto, como que perguntando-lhe pelo “meu beijo”.
Olhou para longe, e ignorando-me mas sem me ignorar verdadeiramente disse-me perguntando:
-Já estás à espera à muito tempo?
É estranho, pensei eu; se combinou para uma hora antes e só agora chega é natural que eu esteja esperando à pelo menos uma hora.
-Estou!, respondi por impulso sem saber exactamente o que dizer.
Ignorando a minha resposta continuou falando num tom neutro, impessoal, como se eu não estivesse presente, dizendo que tínhamos que resolver a nossa situação, que não podíamos continuar assim, que estava grávida, que lhe tinha sido proposta uma nova e interessante oportunidade na empresa, nos escritórios de Nova Iorque onde o seu futuro está e onde já está também o Arthur (um gajo de quem eu nunca gostei), que é o pai da criança e que com ela prometeu casar-se.
Subitamente fiquei surdo!
Olhava-a, via-lhe os lábios mexerem-se mas nenhum som chegava até mim. Era como se eu estivesse planando sobre mim e sobre ela, vendo-nos numa espécie de sonho irreal, completamente isolados do mundo.
-… então?, não dizes nada??
Acordei não fazendo ideia do quanto e do quê mais, ela falou!
Olhava-me à espera do que eu dissesse, seguramente para concordar com as suas expectativas, quase numa súplica de: diz que sim!
-Estás grávida?
Foi tudo o que consegui articular porque foi o que mais impacto teve em mim todo aquele arrevesado de informação debitada à mesa da esplanada.
-Estou, mas fica descansado que não és tu o pai!
Fico descansado? A minha vontade foi levantar-me e desaparecer.
Mas como?
Como desaparecer de uma vida construída a dois e durante quase cinco anos?
Como desaparecer assim, ignorando tudo o que se passou, tudo o que se viveu?
A vida não é exactamente um texto nem se resume a uma frase, que se eliminam, se alteram ou se resolvem com a simplicidade de um click na tecla “delete”.
Levantei-me e, de punho fechado, agredi a mesa com toda a força do meu ser; o copo vazio juntamente com e a cerveja ainda cheia, saltaram num reflexo violento; ela espalhando espuma pelos ares e ele estilhaçando-se logo que embateu nas placas de mármores de refugo que compunham o chão da esplanada.
-Tem calma, tem calma, dizia-me ela repetidamente...
Virei-lhe as costas e em duas passadas saí de cena enquanto num zoom gradual a cara dela, realçando os seus olhos azuis, aparece no close final.
-Corta! Está feito e perfeito!, gritou pelo megafone o realizador da novela que continuou debitando instruções: amanhã começamos às oito da manhã em estúdio.
Ok até amanhã!, respondi enquanto acendia um cigarro a caminho da desmaquilhação.