É DO CALOR...
A culpa é do calor!
Deste calor que não me dá descanso, nem de dia, nem de noite!
A culpa do calor!
Era um sábado quente e húmido; um sábado quente com um calor húmido e pegajoso. Pela manhã, bem cedo, já se sentia aquela atmosfera sufocante.
Que chatice!, pensei quando acordei, não devido ao calor mas simplesmente por ter acordado; podia perfeitamente ter continuado dormindo pois a minha contribuição para que o mundo continuasse a girar é completamente irrelevante. Mas o que é certo é que acordei. E o facto de ter acordado depois das dez da noite não minimizou a chatice. E, chateado por chateado, levantei-me, vesti a primeira t-shirt que agarrei e os jeans pendurados de véspera na cadeira de verga que era uma espécie de roupeiro, e sai de casa.
Mas não fui muito longe.
Voltei a entrar para calçar os ténis cuja cor e os cordões de aperto se perderam nos vários anos de uso.
Estava irritado, chateado, com vontade de bater em alguém.
Carros passavam por mim, apressados, como se estivessem atrasados para chegar onde quer que quisessem chegar, e faziam-no em direcções opostas, para lá e para cá, com buzinadelas e gritos insultuosos abrangendo os pais, as mães e toda a restante família dos que pela frente lhes surgiam.
Entrei num bar e lembro-me de ter bebido uma cerveja e depois outra, e depois ainda outra.
Sentado ao balcão de outro bar bebia uns whiskies e sem saber como dei por mim a ouvir a história de vida de uma gaja, completamente desconhecida para mim, que choramingando contava ter sido abandonada pelo namorado quando ele soube que uma prima (dele) a seduzira mas que ela até gostava dela (da tal prima dele), e que agora já não sabia de quem gostava, e que…
Saltei fora daquele enredo antes que fosse tarde e caminhei horas por ruas, becos e travessas, sem destino; ou então o destino seria esse mesmo, de caminhar somente por caminhar, até que os vapores dos diversos álcoois, se desvanecessem.
O calor húmido, pegajoso, abafado, envolvia-me até aos ossos.
A “sede” atormentava-me a cada passo e a cada passo que dava crescia aquele desejo de bater; de bater em alguém; de bater em qualquer coisa.
Em cada viela a porta de um bar abria-se “convidando-me para mais uma”.
E eu aceitava-a!
Aproximava-se o fim da noite e os bêbados deitados nos passeios, ou caminhando aos tombos, aguardavam o amanhecer.
Na noite, mal iluminada por candeeiros altos cuja luz mortiça de nada servia, vi-os caminhando na minha direcção. Eram três. Percebi que o da frente era o “macho” dominante enquanto que os outros dois não passavam de reverentes servos, qual côrte idolatrando o seu “deus”!
O passeio era estreito e alguém tinha que se desviar. Continuei caminhando em direcção ao trio até que ficámos frente a frente, cada um de nós esperando que o outro se desviasse.
Não o fiz. Eles também não. Avançámos!
O “macho” colocou-me a mão no peito empurrando-me.
Agarrei-lhe no pulso e torci-o forçando-o para baixo até ele estar quase ajoelhado à minha frente, golpeei-o raivosamente na cabeça com a minha outra mão e, quando ele já estava estendido no chão, pontapeei-o selvaticamente na cabeça, no peito, em todo o lado que entendi pontapear.
Os “dois servos” desapareceram, “evaporaram-se”, sumiram-se…
Continuei caminhando deixando o “macho”, escorrendo sangue, prostrado meio no passeio meio na rua, gemendo.
É este tempo quente, húmido, pegajoso e sufocante que “me obriga” a fazer coisas más.
Por isso eu sabia que hoje “tinha” mesmo que bater em alguém!
E continuar caminhando.