O PICK NICK, (1ª parte)
Inicialmente os cágados emergiam de sob as nenúfares inspecionando a lagoa e as redondezas, mantendo as cabeças fixas, bocas entre-abertas e movendo preguiçosamente os olhos, não lhes escapando nada, nem moscas nem mosquitos que por ali voassem desprevenidamente, nem mesmo alguma libelinha que distraidamente pousasse por perto. Eram uns matreiros aqueles cágados.
Nem mesmo uma ou outra pedra que lhes fosse atirada os apanhava desprevenidos pois que mais rapidamente do que a pedra recolhiam as cabeças e desapareciam por largos momentos sob a superfície da água.
Pássaros e outros animais aproveitavam-se da lagoa para beberem ou para se refrescarem em banhos rápidos, numa total despreocupação quando não apareciam caçadores por perto.
Pelas margens, afastados o suficiente para não se incomodarem mutuamente, aconteciam os pick-nick’s onde cobertores improvisavam mesas e sobre os quais eram estendidas as grandes toalhas, normalmente aos quadrados mas também as havia às riscas, cheias de pasteis de bacalhau, arrozes de tomate e pimento, de cabidela, com coelho guizado e até solto para acompanharem carapaus fritos ou frango assado.
À sua volta adultos comendo e bebendo e também resmungando contra as formigas que cada vez apareciam em maior número e não lhes permitiam sossego, enquanto a garotada corria quer perseguindo pássaros, quer borboletas, quer quaisquer outros animais o que provocava gritos e discussões entre os adultos cada vez que alguma dessas correrias passava directamente sobre algum dos cobertores mesa.
Um pouco afastado, um casal de namorados entretinha-se sob uma frondosa árvore aproveitando a sua sombra.
Mais além um barrigudo resfolegava ruidosamente, descansando durante a digestão das pataniscas de bacalhau e da feijoada fortemente regadas com os copos de vinho dum garrafão que jazia, vazio, uns quantos centímetros afastado do cobertor-mesa onde dois carreiros de formigas se atarefavam afanosamente na limpeza das muitas migalhas e restos que por ali havia.
Vendo assim abandonadas as mesas, uns quantos pardais também se deixavam tentar e iam debicando aqui e ali, quer nas migalhas, quer no batalhão de formigas que ainda assim não desistiam dos seus carreiros, em constante actividade.
Junto a um arbusto um movimento acompanhado de um ruído como que de afastar de folhas, denunciava a presença de alguém; pouco depois surgia a cabeleira encaracolada e pintada de loiro de D.Dores, que com movimentos ondulados tentava repor no seu devido lugar as cuecas, a cinta e as calças azuis do fato-de-treino, estas com alguns espinhos agarrados e aquelas húmidas de restos do líquido despejado e que teimosamente acertou nos ténis de marca, onde as manchas eram igualmente reveladoras da acção praticada.
-Raio de ideia de fazer pick-nick’s que tu tens, Alfredo! Vem uma pessoa p’ráqui carregada com esta tralha toda, volta p’racasa outra vez carregada e o pior é que quem tem o trabalho todo sou eu! ‘Inda por cima saio daqui toda mijada e picada dos espinhos; fica sabendo que nunca mais cá venho!
-Grhumpf!, respondeu o Alfredo rodando a barriga para o outro lado e continuando a digestão na fresca sombra daquela bendita árvore, que nem reclamava nem dalí arredava pé.
Azar do caraças; então não é que a bendita árvore era um pinheiro!? Então não é que, talvez por influência da leve brisa, uma pinha se solta do seu galho e em alucinante mergulho vai acertar na cabeça do Alfredo, mal coberta por ralos e desgrenhados cabelos, penteado à tapete, deixando à mostra a sua luzidia careca, agora enfeitada por aquela enorme “pinhoada”?
(continua)