DIA DO (MEU) PAI
Deitado na areia húmida da beira-mar olhava as estrelas que, no negrume da noite sem nuvens, cintilavam no céu tecto desta minha “cama” de hoje.
O mar em maré vazante e sem ondas, esbatia-se adormecido na areia em suaves e quase inexistentes ondas. Em redor tudo calmo.
Junto de mim e meio adormecido, o cão vadio que por toda a tarde me acompanhou sem que eu o tivesse chamado ou aliciado. Deve ter decidido que à falta de melhor eu seria uma boa hipótese para conseguir uma refeição. Puro engano…
O luar proporcionava à praia uma luminosidade suave e etérea. Ouviam-se os sons abafados das vozes, dos murmúrios e dos gemidos dos casais que junto das rochas e escondidos da lua, se envolviam em beijos, carícias e afagos, promessas de amor e outras, coisas que durante o dia não tinham o mesmo “sabor” nem a mesma densidade de sentimentos.
Não me apetecia levantar; não queria ir-me embora; tinha vontade de ali continuar deitado e olhando as estrelas.
Raios! Porque tenho que ir? Porque tenho que voltar a casa?
Porque tenho que voltar a viver tudo outra vez?
Não foi suficiente ter passado por tudo uma vez, e outra, e outra? Tenho mesmo que reviver todo aquele desfiar de sofrimentos, de ais e de lamentos? De dores e de tormentos?
Tenho mesmo?
Raios partam isto.
Porque não era nada do que eu idealizei. Nada do que eu pensei há muitos anos atrás quando te vi pela primeira vez…
Ah, é verdade, eu nunca “te vi”!
Pelo menos eu não me lembro. Mas não admira pois eu só tinha dois anos quando tu morreste e a minha memória não vai tão longe.
Porque a verdade, pai, é que mesmo “nunca te tendo visto” sinto a tua falta. E tenho saudades tuas. Saudades que não morrem nem consigo matá-las. Lamentos que sinto e me perseguem diariamente como se lá tivesse estado naquele dia, naquela noite, quando tu me deixaste.
Incrivelmente e mesmo passados todos estes anos, que já são muitos, não consigo voltar àquele casa sem que todos estes e demais sentimentos me assolem. Bem tento “ausentar-me” e não me deixar arrastar pela emoção e pelas “recordações do que não vivi”. Mas não consigo.
E agora não sei como fazer. Nem sou capaz de decidir abandonar a casa nem sou capaz de lá voltar.
Vais ter que me ajudar, pai!
Não sei como, mas vais ter que me ajudar…