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BAGOS DE MILHO

COMIDA PARA AVES e OUTROS MAMÍFEROS EM RAÇÕES DE IMAGINAÇÃO COM SORRISOS À MISTURA

BAGOS DE MILHO

COMIDA PARA AVES e OUTROS MAMÍFEROS EM RAÇÕES DE IMAGINAÇÃO COM SORRISOS À MISTURA

o AMOR, a OLYMPIA e a CADEIRA GIRATÓRIA

 

Foram muitos os anos que vivi com a certeza de que sempre que chegava a casa tu estavas sentado naquela cadeira giratória, toda ela de cor preta e já bastante velha, martelando nas teclas gastas e descoloridas da Olympia, a máquina de escrever bastante antiga que sempre te acompanhou; aliás, ela vivia contigo há tanto tempo que mais parecia fazer parte de ti, como se fosse uma extensão tua, um terceiro membro superior.

Desde que te conheci que conheço a Olympia. Foi nela que “te disse” pela primeira vez: amo-te! E ainda me lembro de me teres dito, meio irritado, que não se escreve à máquina sem primeiro colocar o papel  para não marcar o rolo de borracha. Eu lá sabia disso? Aprendi e não voltei a fazê-lo; mas repeti vezes sem conta: amo-te. Mesmo quando estavas concentrado na escrita e nem te apercebias da minha presença. Às vezes chegava-me junto a ti e abraçava-te pelas costas abraçando também e inevitavelmente a cadeira giratória. Ralhavas-me, porque perdias a concentração e “o fio à meada” fazendo com que se alterassem as tuas ideias e os enredos tomassem outro rumo e não o que tinhas idealizado. Culpaste-me até por dois ou três livros não terem sido acabados.

São aquelas folhas de papel amarelecido que ainda estão guardadas na última gaveta da tua mesa de cabeceira.

Vês? Continua a ser “a tua mesa de cabeceira”.

Recordo-me de cada livro que terminaste, exactamente quando os terminaste! Era quando puxavas a última folha fazendo correr o “tal” rolo de borracha com um ruído característico de: rrrrrr, inconfundível. Muito diferente do mesmo rrrrrr que se ouvia quando simplesmente acabavas uma folha para iniciar uma outra, continuando a história. Este rrrrrr era monótono, mas naquele notava-se alegria e simultaneamente alívio por teres chegado ao fim.

Eu, contente, corria para o escritório para te felicitar e tu, recostado na cadeira giratória olhando um infinito que só tu vias, acolhias-me por momentos no teu colo recebendo distraidamente carinhos e afagos, sem te ocorrer que eu gostaria que retribuísses.

Eu sabia! Nunca foste dado ao que apelidavas de lamechices e, conforme o tempo passava e a idade ia avançando, criticavas em crescendo os simples gestos afectivos que os casais trocavam em público. Isso também se reflecte nos teus livros onde o romance é ignorado, quase ostensivamente.

Mas eu também sabia que tu fora do escritório eras outra pessoa. No intervalo entre livros dávamos longos passeios pelos parques da cidade e pelos caminhos à beira mar, almoçávamos num daqueles restaurantes de praia e frequentávamos as esplanadas à sombra das árvores que cresciam à beira rio, beberricando chá frio de menta nos dias de maior calor.

Fizemos viagens maravilhosas e jamais esquecerei os dias passados em Singapura, a passagem pela Índia e as noites de Kuala Lumpur onde fumámos umas coisas e inalámos outras, e onde nos amámos loucamente. Quase que perdíamos o avião para o voo de regresso, lembras-te? Que disparate. Claro que te lembras!

Sei que me amavas, que me amaste de uma maneira sóbria e sem grandes gestos. Talvez por isso eu te amei como te amei, exuberantemente, gritando, como daquela vez no alto da falésia em Sagres fazendo com que um grupo de turistas se precipitasse para mim pensando que me querias empurrar para o mar!

Assustaste-te, ralhaste-me, mas depois…

Depois aproveitaste-te do episódio para escreveres aquele romance maravilhoso “Ao sabor do Vento”.

Amei-te com um amor intenso, enorme; amei-te por ti e por mim!

Que digo eu! Como se fosse possível deixar de te amar. Teria que te esquecer. E não há maneira de isso acontecer porque ainda não morri.

Agora chego a casa e tu não estás. A cadeira giratória ali está, vazia, mantendo à vista a velha t-shirt azul escura que, como tu dizias, te protegiam as costas para não se “pegarem” ao tecido da cadeira, quando escrevias de tronco nu. E tantas foram as vezes…

Agora chego a casa e tu não estás.

Só a Olympia continua a fazer-me companhia, e nela vou repetindo:

Amo-te! Amo-te! Amo-te! (sem a folha de papel colocada, propositadamente).

Nunca o disse mas a verdade é que sempre tive ciúmes da Olympia!

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