UM DIA SEM HISTÓRIA
Eram cinco horas da tarde daquele dia.
Aliás, não eram bem cinco horas mas eram quase, quase, cinco horas da tarde, de uma tarde cinzenta e fria. Desde manhã que as nuvens baixas e escuras anunciavam a chuva que inevitavelmente apareceria ainda que o “tempo de praia” estivesse longe do fim.
Devagar foi-se instalando o vento; primeiro numa subtilmente disfarçada brisa mas que gradualmente foi ganhando a força necessária para sacudir as árvores em redor da praceta fazendo rodopiar as folhas secas que num bailado desenfreado eram arrancadas das árvores e atiradas de encontro às paredes dos prédios como que possuídas de um desejo suicida.
Os raros velhos que se arriscavam sair à rua caminhavam à beira rio com esforço ao mesmo tempo que seguravam no chapéu e no cachecol que pareciam querer seguir numa direcção oposta; não foi estranho ver alguns em perseguição dos seus próprios chapéus que, sem surpresa, “corriam” mais que os próprios donos.
-Pronto! Lá vens tu contar a história de uma qualquer desgraça da tua imaginação.
-Agora tens o dom da adivinhação? Desconhecia essa tua faceta.
-Qual adivinhação?, É só ler as primeiras linhas já se percebe como vai acabar.
-Ok, então e se for assim…
Pouco tempo passava das sete horas de manhã quando me levantei da cama. Abri os cortinados da janela do quarto virado para sul, debruçado sobre o Tejo.
No céu a lua ainda presente mostra-se imensamente pálida, com aquele aspecto que nos é familiar, ou seja o resultado de uma noite passada "ao relento".
O sol “nascido” das águas do rio brilhava por entre a renda de vigas de aço avermelhado formando a ponte que liga as duas margens desse rio que nos separa de dia mas que também nos junta à noite neste quarto alugado, longe da multidão.
O céu sem nuvens parecia anunciar um dia calmo sem vento, acentuando a continuação do clima ameno do dia anterior.
Olho a cama onde o teu corpo se adivinha em todas as suas forma sob o lençol branco que te cobre, deixando descoberta uma perna que teimosamente insistes em destapar mesmo que esteja frio.
Acordo-te. Ambos temos que ir trabalhar e já são horas de levantar.
Resmungas: deixa-me!, quero dormir…
-Não podes, querida; tens mesmo que te levantar.
Rodas a cabeça para mim, abres preguiçosamente os olhos -os teus lindos olhos verdes- estendes os braços e abraças-me meigamente.
Sinto o teu perfume, o teu cheiro, a tua pele macia e sedosa…
-Ok, ok! Já estou a ver a cena.
-Já estás? Mas como? Nem eu próprio que a escrevo sei, como é possível que tu saibas?
-Queres ver?
-Vá, diz lá como vai ser.
-Ora bem, os gajos já estão abraçados, ele volta a deitar-se enrolam-se mais uma vez como fizeram durante toda a noite e depois adormecem e nem sequer vão trabalhar nesse dia. Que tal?
-Que tal? Sei lá que tal! Essa é a tua história, não é a minha.
-Vocês que têm a mania que sabem escrever nunca aceitam uma ideia. Diz lá se não era uma boa história.
-Não sei pá. Ainda não a li. Mas escreve-a, completa-a, que eu depois de a ler já te posso dizer se gosto ou não. Que tal?
-Então e essa que estás a escrever? Como é que vai continuar?
-É como te disse; ainda não sei! E só vou saber quando a escrever. Eu depois mostro-te.
-Escritores…, tsss, têm a mania, é o que é! Tsss, tsss!
ilustração copiada de: ethosemconstrucao.blogspot.com/