OS DOIS BILHETES
A nossa mente é estranha!
É curiosa a forma como trabalha, umas vezes previsivelmente e outras nem tanto. Bem, pelo menos a minha é assim.
Há um mar de coisas de que não me recordo, logo são como que inexistentes para mim. Enquanto que outras as tenho presentes, umas mais acentuadas e outras menos.
E no entanto, basta uma pequena coisa, uma situação, um local ou até mesmo um ruído ou um odor para que, subitamente, me venha à memória uma recordação, mesmo daquelas de que já não tinha lembrança!
Vem isto a propósito de dois antigos bilhetes de cinema que encontrei no fundo de uma gaveta que hoje finalmente me decidi a arrumar/limpar. Já têm muitos anos os bilhetes. Comprei-os para mim a para uma amiga, que depois foi mais que amiga, para assistir-mos a um filme (já não me recordo nem do nome nem do conteúdo).
Dessa amiga recordo-me com clareza.
Dos cabelos negros.
Dos olhos castanhos, profundos, de pestanas longas e curvadas.
Dos lábios doces.
Das voz meiga, suave, como se fosse uma carícia…
Dos filmes que vimos, nem tanto. Mas ao encontrar estes bilhetes voltei a estar naquela sala de cinema, voltei a ver as luzes “morrendo” suavemente, a sala escurecendo e voltei a ter a mão dela na minha; voltei a sentir nos meus aqueles dedos macios com as unhas pintadas de vermelho-cereja e do cheiro do cabelo dela quando apoiou a cabeça no meu ombro, o esquerdo.
Entretanto, e porque as nossas referências se alteraram, perdemo-nos de vista. Quero crer que continue bonita e com o cabelo cheirando a flores, tal como então!
Os bilhetes?
Vou voltar a deixá-los na gaveta porque continuam a ter lugar na minha história de vida. Também para me avivarem a memória se tal voltar a ser necessário!