CINZENTOS
Parece que estou num comboio em andamento, com a testa colada ao vidro da janela, daquelas janelas de comboio que não se abrem, e olhando para o exterior vou vendo a paisagem correr para trás, enquanto que o comboio parece estático. Somente o “track-track” das rodas sobre os carris me indica que ele, de facto, se está movendo.
É contudo estanho que lá fora tudo seja cinzento, apesar do sol e do céu sem nuvens.
Vejo uma ponte escura sobreposta a um rio cinzento onde barcos cinzentos se quedam imóveis nas cinzentas águas paradas;
Vejo campos cinzentos sem réstia de ventos, cultivados de cereais cinzentos;
Vejo casas cinzentas espalhadas nessa paisagem, como se tivessem sido arremessadas num gesto circular tal como se de uma sementeira se tratasse;
Vejo ao longe os contornos cinzentos dos montes e, mais além, os das montanhas que limitam o meu horizonte;
Vejo as árvores estáticas e cinzentas cujas folhas imóveis são ainda mais cinzentas;
Vejo aquele comboio percorrendo a paisagem cinzenta, como se eu próprio estivesse lá fora; todavia sem fazer parte da paisagem e sem estar dentro do comboio.
Nesta paisagem cinzenta, estática e ao mesmo tempo agreste, há mais qualquer coisa de estranho, de assustador.
Olho sem entender…, olho sem ver…, até perceber que esta paisagem cinzenta está vazia de vida, de cores, de sons, até do próprio comboio que não se ouve!
Nem uma pessoa, nem um animal, nem um simples pássaro se vê!
Nem o murmúrio da água a correr, nem o ladrar de um cão, nem o piar de um pássaro ou o grasnido de um gavião.