O ENGATE
O final do dia chegou calmo e sem pressas, afinal igual a tantos outros já passados.
Do sol somente as poucas nuvens ainda reflectiam os tons alaranjados dos seus raios, restos de um dia que fora muito quente obrigando cada um a refugiar-se sob o toldo de uma esplanada ao mesmo tempo que ingeria algumas cervejas para afogar uma sede quase infinita. Aparentemente indiferentes ao calor, turistas acabados de chegar passeavam-se pelas tuas.
Ao redor do lago onde nadavam patos e cisnes (também eles patos), descansavam uns e outras, deitados na relva, adormecidos alguns mas abraçados muitos outros, estes trocando afagos e carícias escondidas das vistas mas não das mãos que, tacteando percorriam íntimos recantos conhecidos e reconhecidos de outras tardes ou de outras noites!
Foi num dia assim que a vi pela primeira vez, quando caminhava pela margem do rio depois de ter sido expulso violentamente do restaurante onde me recusara a pagar o almoço, por não ter dinheiro. Claro que sabia antecipadamente estar sujeito a que tal me acontecesse, mas o que fazer quando chega a hora da fome chegar e não ter um cêntimo no bolso? É verdade que podia ter pedido unicamente uma sopinha, uma sandes e um cafezito; mas quando pelo mesmo preço podia comer um cozido à portuguesa regado com um óptimo vinho tinto maduro e terminar com um café e um whisky velho, depois de um excelente leite-creme como sobremesa… a opção não deixa dúvidas.
É verdade que me arremessaram uma cadeira que foi acertar na vitrina dos pudins e das tardes, e que ainda me tentaram agarrar ao mesmo tempo que gritavam pela polícia.
Mas qual quê! Larguei-me rua abaixo em forte correria, virei à esquerda para a travessa da linha do comboio, saltei a vedação e passei-me para o outro lado das linhas.
Reduzi a marcha forçada para uma toada calma e descontraída (porque não é de todo aconselhável fazer esforços durante a digestão), sem deixar de estar alerta não fosse algum “gosma” mais dedicado me estar perseguindo. Nada! Tudo na paz dos anjos…
Afinal a coisa não correu mal…
Foi então que a vi pela primeira vez: caminhava à minha frente balançando os cabelos soltos ao vento, bamboleando as ancas num ondular suave e sensual, chamativo e sem dívida bastante apelativo, dentro de uns calções curtos; uma t-shirt azul envolvia-lhe o tronco.
Caminhei até ficar ao seu lado. A alça da sacola de pele que levava ao ombro passava entre as duas mamas fazendo-as realçar sob a t-shirt escura, quer em volume, quer em tamanho; não que precisasse pois “falavam” por si mesmas, balançando ligeiramente libertas da prisão de um inexistente soutien, deixando perceber os mamilos que a t-shirt tapava mas não escondia.
A coisa estava a ficar melhor…
Olhou-me, entre curiosa e desconfiada!
-Olá!, disse-lhe sem grande convicção.
-Olá, respondeu-me num misto de surpresa e de desconfiança.
Caminhámos a par durante dois ou três metros, cada um de nós imaginando a melhor maneira de continuar a conversa, ela na expectativa de me “despachar” e eu na tentativa de a cativar.
Avancei: -Chamo-me Paulo Gil; e tu?
-Isabel…
Fazes o quê?, de onde és?, onde moras? Tens uns ténis muito fixes!, a conversa de que normalmente é o caminho para outras conversas, como por exemplo:
-Não estás com sede? Eu até te pagava uma cervejinha mas estou teso…
Fez-se desentendida e continuámos caminhando, falando, dizendo e desdizendo, acertando menos do que errando, quando subitamente ela me diz:
-Não te lembras de mim, pois não?
-Bem… como é que eu me podia ter esquecido duma gaja destas?, a…, pois não me lembro…
-Tu chamas-te José da Silva Marques! Mais conhecido por Zézé dos Engates.
-Mau…
-Pois é, isso de quereres ser Paulo Gil é para engate, não é? Diz lá…
-Mas conheces-me d’ádonde?
-Da esquadra, desde aquela madrugada em que a miúda italiana apresentou queixa por tentativa de violação. Lembras-te?
-Violação? Atão távamos na discoteca todos agarradinhos e ela disse-me:
-Voglo una focaccia…
-E tu…
-…e eu avancei…
-…sem saberes que ela se referia a uma fatia de bolo, ou pão ou lá o que é!
-Mas como é que sabes isso tudo? Tu és polícia?
-Sou; fui eu que te interroguei e tratei da ocorrência.
-Eras a agente má… quero dizer boa, quero dizer a agente que… as minhas costas…
-Exactamente. E nunca me esqueço de uma cara, sobretudo de gajos como tu! Ainda te dóiem as costas? (Ahahahah)
A coisa afinal estava a ficar pior…
-Mas eu…
-Vai-te lá embora antes que eu me arrependa. Tenho a certeza que hoje já fizeste alguma coisa que justifique a tua detenção.
-Oh Srª , eu…
-Andor, andor…
Pirei-me já a pensar ter que engatar um esquema para o jantar!
Bolas, com tantas gajas aqui à volta tinha que tropeçar com a bófia!?